Correção do texto de Crônicas OLP - 9.º Ano - Aula 35

Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Luiz Joaquim dos Santos
Professora: Luciene
Componente Curricular: Língua Portuguesa
Série: 9.º Ano              Turma: A           Turno: Manhã
Conteúdo: Oficina Textual de Crônicas para as Olimpíadas de Língua Portuguesa (1)
Semana 18 – Aula 35 – DIA: 09 / 07 / 2021 – Sexta-feira

Oficina Textual de Crônicas para as Olimpíadas de Língua Portuguesa

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Um Caso de Burro (Machado de Assis)

            Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi uma coisa tão interessante, que determinei logo de começar por ela esta crônica. Agora, porém, no momento de pegar na pena, receio achar no leitor menor gosto que eu para um espetáculo, que lhe parecerá vulgar, e porventura torpe. Releve a importância; os gostos não são iguais.
            Entre a grade do jardim da Praça Quinze de Novembro e o lugar onde era o antigo passadiço, ao pé dos trilhos de bondes, estava um burro deitado. O lugar não era próprio para remanso de burros, donde concluí que não estaria deitado, mas caído. Instantes depois, vimos (eu ia com um amigo), vimos o burro levantar a cabeça e meio corpo. Os ossos furavam-lhe a pele, os olhos meio mortos fechavam-se de quando em quando. O infeliz cabeceava, mais tão frouxamente que parecia estar próximo do fim.
            Diante do animal havia algum capim espalhado e uma lata com água. Logo, não foi abandonado inteiramente; alguma piedade houve no dono ou quem quer que é que o deixou na praça, com essa última refeição à vista. Não foi pequena ação. Se o autor dela é homem que leia crônicas, e acaso ler esta, receba daqui um aperto de mão. O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em campos mais largos e eternos.
            Meia dúzia de curiosos tinham parado ao pé do animal. Um deles, menino de dez anos, empunhava uma vara, e se não sentia o desejo de dar com ela na anca do burro para esperta-lo, então eu não sei conhecer meninos, porque ele não estava do lado do pescoço, mas justamente do lado da anca. Diga-se a verdade; não o fez - ao menos enquanto ali estive, que foram poucos minutos. Esses poucos minutos, porém, valeram por uma hora ou duas. Se há justiça na Terra valerão por um século, tal foi a descoberta que me pareceu fazer, e aqui deixo recomendada aos estudiosos.
            O que me pareceu, é que o burro fazia exame de consciência. Indiferente aos curiosos, como ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos meditativos. Era um trabalho interior e profundo. Este remoque popular: por pensar morreu um burro mostra que o fenômeno foi mal entendido dos que a princípio o viram; o pensamento não é a causa da morte, a morte é que o torna necessário. Quanto à matéria do pensamento, não há dúvidas que é o exame da consciência. Agora, qual foi o exame da consciência daquele burro, é o que presumo ter lido no escasso tempo que ali gastei. Sou outro Champollion, porventura maior; não decifrei palavras escritas, mas ideias íntimas de criatura que não podia exprimi-las verbalmente.
            E diria o burro consigo:
            “Por mais que vasculhe a consciência, não acho pecado que mereça remorso. Não furtei, não menti, não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa. Em toda a minha vida, se dei três coices, foi o mais, isso mesmo antes haver aprendido maneiras de cidade e de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar e calar. Quando ao zurro, usei dele como linguagem. Ultimamente é que percebi que me não entendiam, e continuei a zurrar por ser costume velho, não com ideia de agravar ninguém. Nunca dei com homem no chão. Quando passei do tílburi ao bonde, houve algumas vezes homem morto ou pisado na rua, mas a prova de que a culpa não era minha, é que nunca segui o cocheiro na fuga; deixava-me estar aguardando autoridade.”
            “Passando à ordem mais elevada de ações, não acho em mim a menor lembrança de haver pensado sequer na perturbação da paz pública. Além de ser a minha índole contrária a arruaças, a própria reflexão me diz que, não havendo nenhuma revolução declarado os direitos do burro, tais direito não existem. Nenhum golpe de estado foi dado em favor dele; nenhuma coroa os obrigou. Monarquia, democracia, oligarquia, nenhuma forma de governo, teve em conta os interesses da minha espécie. Qualquer que seja o regímen, ronca o pau. O pau é a minha instituição um pouco temperada pela teima que é, em resumo, o meu único defeito. Quando não teimava, mordia o freio dando assim um bonito exemplo de submissão e conformidade. Nunca perguntei por sóis nem chuvas; bastava sentir o freguês no tílburi ou o apito do bonde, para sair logo. Até aqui os males que não fiz; vejamos os bens que pratiquei.”
            “A mais de uma aventura amorosa terei servido, levando depressa o tílburi e o namorado à casa da namorada - ou simplesmente empacando em lugar onde o moço que ia no bonde podia mirar a moça que estava na janela. Não poucos devedores terei conduzido para longe de um credor importuno. Ensinei filosofia a muita gente, esta filosofia que consiste na gravidade do porte e na quietação dos sentidos. Quando algum homem, desses que chamam patuscos, queria fazer rir os amigos, fui sempre em auxílio deles, deixando que me dessem tapas e punhadas na cara. Em fim ...”
            Não percebi o resto, e fui andando, não menos alvoroçado que pesaroso. Contente da descoberta, não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pensador ia morrer. A consideração, porém, de que todos os burros devem ter os mesmos dotes principais, fez-me ver que os que ficavam, não seriam menos exemplares do que esse. Por que se não investigará mais profundamente o moral do burro? Da abelha já se escreveu que é superior ao homem, e da formiga também, coletivamente falando, isto é, que as suas instituições políticas são superiores às nossas, mais racionais. Por que não sucederá o mesmo ao burro, que é maior?
            Sexta-feira, passando pela Praça Quinze de Novembro, achei o animal já morto.
            Dois meninos, parados, contemplavam o cadáver, espetáculo repugnante; mas a infância, como a ciência, é curiosa sem asco. De tarde já não havia cadáver nem nada. Assim passam os trabalhos deste mundo. Sem exagerar o mérito do finado, força é dizer que, se ele não inventou a pólvora, também não inventou a dinamite. Já é alguma coisa neste final de século. Requiescat in pace.


QUESTÃO 1 – No texto lido, a existência de um burro morrendo na praça levou o cronista a escrever sobre o fato avistado porque

A) ( X ) ele achou interessante que, estando próximo da morte, o animal parecia fazer um exame de consciência cujo conteúdo ele presume ter descoberto.
B) ( ) lhe chamou a atenção o fato de o dono do burro ter deixado água e comida para o animal no momento do abandono.
C) ( ) o animal teve uma morte lenta e, depois de morto, permaneceu na rua por um certo tempo, chamando a atenção de algumas crianças.
D) ( ) avistar aquela cena o deixou triste e pesaroso, levando-o à profunda reflexão.
E) ( ) aquela cena só chamou a atenção de poucas pessoas, e nenhuma delas tentou ajudar o bicho


QUESTÃO 2 – Sobre o texto lido, podemos afirmar que

A) ( ) o narrador mostra-se seguro quanto ao gosto do leitor pelo fato a ser narrado.
B) ( ) o conflito que envolve a narrativa é a expectativa quanto ao comportamento de um menino diante da cena de quase iminente morte do burro.
C) ( ) toda a narrativa se passa em poucos minutos, como é comum em crônicas.
D) ( ) o texto é marcado pelo cotidiano, com fatos ocorridos em local onde o cronista passa rotineiramente.
E) ( ) no final da narrativa, o cronista se mostra consternado e triste pela morte do animal.


QUESTÃO 3 – Por meio da metáfora do burro, pode-se encontrar, na crônica lida, uma crítica aos indivíduos passivos diante do seu destino e que aceitam o que lhes é atribuído sem relutar. Tal referência pode ser observada nos trechos abaixo, EXCETO em:

A) ( ) "[ ...] isso mesmo antes haver aprendido maneiras de cidade e de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar e calar.
B) ( ) "[ ... ] mordia o freio dando assim um bonito exemplo de submissão e conformidade."
C) ( ) "Quanto à matéria do pensamento, não há dúvidas que é o exame da consciência."
D) ( ) “Nunca perguntei por sóis nem chuvas; bastava sentir o freguês no tílburi ou o apito do bonde, para sair logo.”
E) ( ) "[ ...] esta filosofia que consiste na gravidade do porte e na quietação dos sentidos."


QUESTÃO 4 – O cronista emprega um tom irônico em vários momentos da narrativa. Em que trecho abaixo isso NÃO acontece?

A) ( ) "Se há justiça na Terra valerão por um século, tal foi a descoberta que me pareceu fazer, e aqui deixo recomendada aos estudiosos."
B) ( ) "Não foi pequena ação. Se o autor dela é homem que leia crônicas, e acaso ler esta, receba daqui um aperto de mão."
C) ( ) "Sou outro Champollion, porventura maior; não decifrei palavras escritas, mas ideias íntimas de criatura que não podia exprimi-las verbalmente."
D) ( ) "Contente da descoberta, não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pensador ia morrer."
E) ( ) "Os ossos furavam-lhe a pele, os olhos meio mortos fechavam-se de quando em quando. O infeliz cabeceava, mais tão frouxamente, que parecia estar próximo do fim."


QUESTÃO 5 – Observando os recursos estilísticos empregados no texto, há eufemismo em:

A) ( ) "O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em campos mais largos e eternos".
B) ( ) "O que me pareceu, é que o burro fazia exame de consciência. Indiferente aos curiosos, corno ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos meditativos."
C) ( ) "[...] por pensar morreu um burro mostra que o fenômeno foi mal entendido dos que a princípio o viram; o pensamento não é a causa da morte, a morte é que o torna necessário.
D) ( ) "Dois meninos, parados, contemplavam o cadáver, espetáculo repugnante; mas a infância, como a ciência, é curiosa sem asco."
E) ( ) "[... ] força é dizer que, se ele não inventou a pólvora, também não inventou a dinamite."
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